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Como definir o conservadorismo na política? – Com ideias de Roger Scruton

Neste artigo, a Ágora Brasileira e Fórum teológico BR tentaram definir o conservadorismo e o neoconservadorismo de acordo com nossa visão de mundo ou cosmovisão. A primeira coisa é que, para nós, o conservadorismo é um conceito bastante positivo, e a segunda é que a definição pode evoluir com o tempo, mas, na medida do possível, relativamente pouco. Também precisamos distinguir entre as diferenças entre o conservadorismo em uma definição inglesa (americana, britânica) e uma definição europeia mais continental (especialmente na França e até mesmo na Itália).

Em oposição ao progressismo

O conservadorismo se opõe ao progressismo – nos Estados Unidos, também conhecido como liberalismo (embora no Brasil o liberalismo esteja mais próximo da direita do que da esquerda), assim como a direita se opõe à esquerda. O conservadorismo e a direita são frequentemente associados, como é o caso nos Estados Unidos com o Partido Republicano, no Reino Unido com o Partido Conservador e na Itália com a atual chefe de governo, Giorgia Meloni. Na França, o conservadorismo pode, de certa forma, ser personificado pelo Rassemblement National (RN) ou Les Républicains (LR).

Entretanto, é raro ver um verdadeiro conservador de esquerda ou de extrema esquerda.

Na Suprema Corte dos EUA, geralmente há um conflito claro entre os juízes progressistas e conservadores.

Algumas definições possíveis de conservadorismo

– Um movimento político que valoriza as tradições como instituições diferentes dos únicos poderes políticos, como a monarquia, o exército ou as igrejas. Há também uma verdadeira alergia ao comunismo (especialmente ao marxismo).

– Um movimento político que valoriza o passado. As coisas são como são por boas razões, mesmo que essas razões sejam esquecidas ou difíceis de discernir.
Observação: o grande intelectual G.K. Chesterton escreveu criticamente em 1908, em seu livro Orthodoxy, que o conservadorismo era a “democracia dos mortos”.

– Um movimento político capaz de dizer “pare” quando ninguém quer “parar a máquina”.

– Um conservador não idealiza o passado (como faz um reacionário) ou o futuro (como faz um comunista).

Quem são os intelectuais conservadores?

Exemplos recentes incluem o inglês Roger Scruton (1944-2020). Em um de seus livros sobre conservadorismo (A Political Philosophy: Arguments for Conservatism), publicado em 2006, ele se refere a vários pensadores conservadores, inclusive ingleses, americanos, alemães e franceses. Provavelmente, o pensador mais importante é o britânico (irlandês, para ser mais preciso) Edmund Burke, com seu livro “Reflections on the Revolution in France” (Reflexões sobre a Revolução na França), considerado o texto fundador do conservadorismo moderno, conforme escreveu a revista The Economist em setembro de 2020. Burke rejeitou o culto ao progressismo, conforme concebido especialmente pelos iluministas, uma corrente de pensamento filosófico e religioso que se desenvolveu na Europa do século XVIII e se baseou na ideia de iluminação (por exemplo, Voltaire). Para ele, a Constituição de um país não poderia se basear em novas ideias, como foi o caso da França. Em vez disso, um conjunto de leis tinha de se basear na tradição, ou seja, na experiência acumulada ao longo dos séculos. A ideia é “preservar” as melhores ideias produzidas por uma sociedade. O Sr. Burke era a favor da liberdade de comércio, da propriedade privada e do direito de herança.

Outro intelectual conservador do final do século XX é o americano Allan Bloom, que publicou um livro altamente influente em 1987: The Closing of the American Mind (veja um resumo desse livro no YouTube).

Entre os intelectuais vivos, o canadense Dr. Jordan B. Peterson é provavelmente o mais famoso. Peterson provavelmente será o mais famoso em 2024.

O nacionalismo reacionário é conservadorismo?

O “nacionalismo reacionário”, que em termos simples defende a soberania nacional e se aproxima de uma forma de racismo (alguns pensam no RN, outros não) ou, em todo caso, de preferência nacional, não é realmente conservadorismo, ou pelo menos não necessariamente. Para a revista The Economist, em 6 de julho de 2019, o “nacionalismo reacionário” é uma ameaça ao conservadorismo, pelo menos ao tipo clássico (um conservadorismo mais de classe social com valores fortes como a religião cristã ou o exército).

Em francês, o termo réactionnaire também significa um desejo de retornar à monarquia, aquela de antes da Revolução. Em outras palavras, um desejo de destruir a democracia. Na França, o movimento reacionário foi conceituado e idealizado no século XIX pelo filósofo Joseph de Maistre, que queria que o líder supremo fosse o papa e estabelecesse uma teocracia de fato.

O termo reacionário, pelo menos em francês, é quase sempre um insulto e está associado ao radicalismo (no sentido de extremismo).

Quais são as principais mídias conservadoras?

De longe, a mídia ou o jornal conservador sério mais influente do mundo é o Wall Street Journal, com sede em Nova York. A revista britânica de renome mundial The Economist também pode, às vezes, ser considerada um jornal conservador ou, pelo menos, um jornal liberal na definição francesa.

A Fox News é o meio de comunicação conservador mais influente do mundo, mas é menos séria ou objetiva do que o WSJ. Para alguns, como o The Economist, a Fox News é mais pseudoconservadora por ser mais “nacionalismo reacionário” (veja o parágrafo acima). Na França, o Le Figaro é o maior e mais influente jornal conservador, mas ainda é uma forma mais leve de conservadorismo do que o WSJ ou, acima de tudo, a Fox News. A família Murdoch, grande proprietária dessa mídia, também é proprietária da mídia conservadora no Reino Unido (por exemplo, The Sun) e na Austrália.

Há algum think tank conservador?

Há o think tank Ethics & Public Policy Centre em Washington DC.

O conservadorismo estará na moda em 2024?

Sim (e não). Sim, vimos isso nas eleições europeias de junho de 2024. A Austrália renovou um governo conservador em meados de maio de 2019, apoiado pela mídia da família Murdoch, mas em 2022 esse líder australiano não estava mais no poder. A Itália tem atualmente um governo conservador (Meloni). Mas não, porque, por exemplo, os Estados Unidos não têm mais um governo conservador, embora Donald Trump possa vencer em novembro de 2024. O Brasil abandonou um governo conservador (Bolsonaro) em 2022.

É claro que há muitas pessoas que se opõem ao conservadorismo, principalmente os socialistas e, cada vez mais, os ecologistas.

O conservadorismo pode levar ao nazismo ou ao fascismo?

Sim, isso é óbvio e não faz sentido negar. Assim como a esquerda pode se tornar comunista (marxista). É por isso que o conservadorismo precisa ser enquadrado e estudado, como faz este site. Por exemplo, uma mídia (ou partido político) conservadora que se preze pode ser contra o casamento gay, mas se nos referirmos aos valores cristãos (como o Romanvie.ch), a violência, mesmo a verbal, contra a comunidade gay está fora de questão. Portanto, é importante estabelecer limites. Por outro lado, se um meio de comunicação conservador for contra o direito ao aborto (IVG), ele deve ser respeitado pela mídia progressista ou liberal, o que geralmente não acontece, pelo menos na França.

Os evangélicos são responsáveis pelo retorno do conservadorismo no Ocidente?

Provavelmente sim, mas isso é mais complexo do que uma simples relação causal; também depende do país. O conservadorismo no Ocidente reúne muitos cristãos, mas não somente.

Por exemplo, no Brasil, no primeiro turno da eleição presidencial de 2018, cerca de 46% votaram no candidato conservador Bolsonaro, mas há entre 30 e 35% de evangélicos no Brasil. Isso significa que uma proporção significativa de católicos e ateus votou no candidato conservador. Também nos Estados Unidos, embora 80% dos evangélicos que votaram em 2016 tenham dado seu voto a Trump, com 25% de evangélicos nos Estados Unidos, isso não é suficiente para ter sequer a maioria dos Grandes Eleitores. Isso significa, em particular, que os católicos, os ateus e até mesmo os chamados protestantes históricos deram seu voto a Trump. É justo dizer, entretanto, que sem os evangélicos, pelo menos no continente americano, esse movimento provavelmente nunca conseguiria alcançar maiorias.

Os conservadores são menos bem treinados do que os liberais/progressistas?

A resposta provavelmente é sim, mas as coisas podem ser mais complexas. Por exemplo, na Suíça (SVP) ou nos Estados Unidos (Republicanos), o eleitorado conservador é provavelmente menos instruído (por exemplo, graduados em universidades) e representa principalmente as classes média e trabalhadora.

Os conservadores são menos abertos do que os liberais/progressistas?

Psicólogos políticos apontam que os liberais geralmente são mais abertos do que os conservadores a novas experiências, como comida ou uma viagem ao exterior, conforme observado pela revista britânica The Economist em sua edição de 8 de julho de 2019.

Quais são os principais temas do conservadorismo?

– Responsabilidade ou dever é provavelmente o tema mais importante do conservadorismo. Você tem direitos, mas também tem responsabilidades. Por exemplo, tenho o direito de receber o auxílio-desemprego, mas tenho o dever de trabalhar se puder.

– A família, se possível formada por um pai e uma mãe com uma sexualidade, se possível, bastante controlada (sem promiscuidade). Não há GPA legalizado. Mas também temos gays e lésbicas conservadores, então esse ponto é menos importante em 2022. Um conceito importante no conservadorismo é a noção de hierarquia, seja em nível familiar, regional, cantonal ou nacional, por meio de várias instituições.

– Imigração controlada, especialmente em relação a imigrantes não cristãos.

– Fronteiras claramente identificadas. Os conservadores precisam de pontos de referência, colocando as coisas em caixas (para resumir). A ordem é um conceito fundamental.

– Minorias que não impõem suas visões de mundo à maioria. Por exemplo, os veganos não precisam impor sua dieta a toda a humanidade; se alguém quiser comer carne, pode. Isso nos leva de volta à noção de direitos e liberdades. Crítica contundente à doutrina do despertar.

– Um Estado fraco, com os menores impostos possíveis. Os conservadores têm certa desconfiança em relação a um estado excessivamente centralizado (por exemplo, Berna, Washington) e preferem o poder em nível regional (cantões, estados, províncias).

– Liberdade religiosa total (de acordo com a 2ª Emenda da Constituição dos EUA e a Constituição suíça).

– Uma política de drogas restritiva (nenhuma liberalização das drogas).

– Proibição ou restrição severa do aborto (IVG).

– Forte responsabilidade pessoal. Nesse caso, é um ponto em comum com o liberalismo.

– A influência do cristianismo, que pode ser protestante, evangélico, católico ou ortodoxo, dependendo da sensibilidade individual. A Fox News e o The Wall Street Journal, por exemplo, são principalmente evangélicos/protestantes em seus editoriais, e às vezes católicos ou judeus (ortodoxos moderados).

– Oposição ao suicídio assistido, como o EXIT na Suíça.

– Pouco interesse em questões LGBTQUIA+. Críticas às teorias de gênero (por exemplo, contra a escrita inclusiva). Críticas contundentes à doutrina do despertar.

– Uma escola que ensina valores, inclusive o conservadorismo.

– Não critique os esportes populares, como o futebol, que também incorporam valores reais (vitória, trabalho árduo), como pode ser visto, por exemplo, na Copa do Mundo.

Liberalismo

Se estivermos falando de liberalismo ou progressismo, de onde vêm os intelectuais?

É mais ou menos óbvio que muitos intelectuais liberais ou progressistas são judeus, principalmente os que vivem na costa leste dos Estados Unidos ou no Reino Unido, na França ou em Israel, como Chomsky ou Steven Pinker, da Universidade de Harvard. Na França, BHL é um importante pensador liberal. Eles são, é claro, judeus liberais e não judeus ortodoxos ou conservadores. Os judeus conservadores são, em geral e por definição, mais alinhados com os cristãos conservadores.

Harari também é um grande intelectual israelense que vende centenas de milhares de livros em todo o mundo para apoiar suas teses liberais: ateísmo, progresso humano, ecologia.

Observação importante: como evangélico conservador, não há nada de antissemita em mim – pelo contrário. Estou apenas citando fatos aqui.

O que é o neoconservadorismo?

É simplesmente uma mistura de liberalismo econômico e conservadorismo social (questões familiares, veja acima). Os republicanos americanos geralmente são neoconservadores. Na França, parece que o programa de Eric Zemmour está próximo do neoconservadorismo.

Palavras-chave no conservadorismo (ideia de Xavier Gruffat, citar a fonte se usada):
Responsabilidade, hierarquia, ordem, deveres, família, comunidade, fé, estrutura, cristianismo, tradição, exército, serviço.

Artigo atualizado em 20.09.2024. Por Xavier Gruffat. Fontes: The Economist, The Wall Street Journal, livros sobre conservadorismo, canal do YouTube do historiador e intelectual brasileiro Leonardo Karnal, revista brasileira Superinteressante (edição de setembro de 2022).

Observação da redação: este artigo foi modificado em 20.09.2024

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